Opinião

A tragédia do último homem

Por Rubens Amador
Jornalista

Os rios haviam secado, literalmente. A vegetação voltara aos tufos dos primeiros tempos. Os pássaros, os peixes, e os animais em geral, há muito se haviam extinguido dado a Grande Tragédia da Humanidade, chamada de "Poluição Ponto 1.000". Finalmente o ser humano chegara ao derradeiro estágio. De nada adiantaram as repetidas campanhas e advertências sobre a premonição daquele fim para o qual todos haviam colaborado.

A ânsia do lucro fora maior que tudo. E lá estava ele, aquele homem que encarnava a espécie, como o herói de um cenário negativo. Era o último! Ainda inadaptado à solidão; barbudo, sujo, desnudo. Realmente tinha se dado uma terrível compulsão de volta às origens, numa inversão da escala evolutiva. Era um retorno aos primeiros tempos, depois do pináculo do ser humano. Agora, aquela sombra de homem se movimentava num cenário de pedra-pomes, cujas elevações e árvores petrificadas desenhavam fantasmagóricas criaturas, dignas de um cenário do Mac Beth de Orson Wells.

Os períodos dos dias e das noites, por um supremo desequilíbrio, transformaram-se em um ambiente único e estático. Não havia mais chuva. Nem ventos. Nem sol. Nem lua. Só aquele vazio enorme há anos - igual - irremediavelmente igual, transformando o ambiente numa espécie de entardecer eterno, provindo de nuvens sanguinolentamente avermelhadas. E o silêncio...Um silêncio eloquente em todos os lados.

Mas ele, o Último Homem, não desistia apesar de toda a adversidade. E lutava para sobreviver. Precisava caminhar quilômetros a cada dia, em busca de um pouco de água penosamente obtida depois de muito cavar com as próprias mãos. Seus pés estavam em chagas de tanto vagar na lava consolidada e áspera. Aliás, o homem pode suportar muita coisa enquanto suportar a si mesmo. Pode viver sem esperança - inclusive - sem amigos, sem livros, ou mesmo sem música, enquanto for capaz de ouvir seus próprios pensamentos. Mas naquela situação ele se dera conta de que o homem tinha sido o lobo do próprio homem. E talvez movido pela decepção, começou a fraquejar. Dramática era sua busca em vão, de estabelecer qualquer diálogo - há muito ansiado - com o próprio eco que fosse como uma forma de vencer aquele abandono, mesmo através da mais rudimentar forma de comunicação ainda possível, pensava. "Eu sou um ser humano!" gritava com suas poucas forças, e por cerca de vários dias escutava apenas sua própria frase reproduzida até sumir. E insistia bradando nova sentença, na esperança de ouvir qualquer contestação. De som ou de ideias.

As verdades transcendem. E deu-se conta que outras também eram válidas. Que o homem, por exemplo, vazio do contato do semelhante, mesmo que ainda lhe sobrem alguns valores, ao final passa a ansiar pela solidão da morte. "Porque não lutara para evitar a poluição ambiental?", perguntava-se em desespero, autopunindo-se. Exausto, no torvelinho daquele labirinto, sem uma tênue esperança ou possibilidade de sair, abandonou-se na maior lassidão. E talvez no desejo vão de arrojar para fora de si a responsabilidade de continuar vivendo, reuniu forças e deu o derradeiro grito: "Eu vou morrer!" Finalmente o eco respondeu-lhe entre seco e irônico: "Bem feito!" E naquela imensidão nihilista o nada serviu de mortalha para o Último Homem.

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